Bernardo Manfredi cursará
filosofia. Por causa de infecção hospitalar, ele também tem transtorno
psicomotor nas mãos e nos braços.
Bernardo superou condições adversas, conquistou lugar na universidade e agora sonha escrever livro.
(Foto: Divulgação)
Bernardo Lucas Piñon de
Manfredi, de 19 anos, foi um dos 77 alunos que tiraram nota mil na redação do
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ele foi aprovado no curso de filosofia na
UFRJ e na PUC-Rio – escolheu se matricular na universidade particular, porque
conquistou uma bolsa filantrópica que cobre integralmente a mensalidade. O
jovem resume sua história em uma frase: “Sou um vencedor”.
Bernardo foi vítima de uma
contaminação em uma maternidade do Rio de Janeiro. De todos os bebês que
sofreram a infecção bacteriana na ocasião, apenas ele sobreviveu. Seu quadro
melhorou após ser transferido para outro hospital, receber doações de sangue da
irmã e frequentar um centro de reabilitação. Como sequelas, ele tem surdez
severa bilateral (nos dois ouvidos), disgrafia profunda (dificuldade na
escrita) e transtorno psicomotor nos braços e nas mãos.
Seu objetivo de tirar a nota
máxima na redação era, portanto, um desafio. A escrita traz dores nas mãos do
jovem – mesmo assim, ele conta que redigiu 130 textos em 2016, para melhorar
seu desempenho nas dissertações.
“Eu não me cansava, sempre
procurava fazer mais e mais redações, porque era a minha meta tirar nota mil.
Assistia a todas as aulas, não deixava passar nenhuma dúvida e tinha fé de que
eu chegaria lá”, conta.
No Enem, Bernardo teve uma
hora a mais que os outros candidatos para fazer a prova, tanto no sábado quanto
no domingo. Ele escreveu o rascunho da redação, mas levou duas horas e meia
para isso. Quando faltava uma hora e meia, ditou o que havia redigido para que
o transcritor passasse o texto a limpo.
Trajetória
na escola
Bernardo não domina a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) – compreende o que as pessoas falam por leitura
labial. “O problema é que aí não veem as minhas dificuldades. Por isso, tive
que lidar com agressões e discriminação”, conta.
Na educação infantil, a mãe
do menino, Carmen Pereira, ficava com ele na escola. “Ela foi a principal
mensageira dos meus problemas para as pessoas. Foi uma luta diária, ninguém
sabia lidar comigo”, diz. “Quando cheguei na alfabetização, uma professora me
assumiu e consegui aprender a ler e a escrever.”
Bernardo Lucas Piñon de Manfredi diz que sua mãe, Carmen Pereira, foi essencial em seu desenvolvimento.
(Foto: Arquivo pessoal)
Bernardo cursou o ensino
fundamental em uma escola pública do Rio de Janeiro. Depois, ganhou uma bolsa
no Colégio Palas, instituição privada. “Passei a viver os melhores momentos da
minha vida escolar, porque os professores me acolheram muito bem, respeitaram a
minha dificuldade, mas nunca me tratavam como um incapaz. Viam em mim uma
capacidade enorme e só me estimularam a seguir em frente”, conta.
No último ano do ensino
médio, concluído em 2016, o jovem foi escolhido como orador da turma. “Não fico
feliz só por isso, mas por poder mostrar ao Brasil e ao mundo que tudo é
possível”, diz.
Mudanças necessárias
Apesar de ter conseguido
concluir o ensino médio e entrar na universidade, Bernardo afirma que a
realidade das pessoas com deficiência ainda é cruel. “Mas é possível mudar. Não
adianta o governo apenas obrigar as escolas a aceitarem esses alunos. É preciso
mudar o padrão pedagógico e estimular a formação de profissionais
especializados e qualificados”, afirma.
“É necessário, sobretudo, que
haja um contato maior com as pessoas que têm deficiência. Só conhecemos e
entendemos isso quando convivemos com elas.”
Planos
“É incrível que, mesmo com
todo o diagnóstico da minha dificuldade de escrever, eu amo contar histórias”,
diz. Ele compõe poemas e crônicas desde os 12 anos. Em 2017, pretende escrever
o primeiro livro – começará em março, mas o roteiro ainda não está definido.
“Só sei que vai ser sobre filosofia.”
Esse é o assunto favorito do
jovem. Ele afirma querer lecionar, porque ama ensinar. “Além de professor,
também desejo ser um filósofo atuante, um antropólogo e um cientista que se
preocupa com a humanidade.”
Reportagem retirada na íntegra:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/jovem-surdo-tira-nota-mil-na-redacao-do-enem-e-e-aprovado-na-ufrj-e-na-puc.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1
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