Atualizado em 28 de agosto, 2012 - 13:46 (Brasília) 16:46 GMT

Espanhol Pablo Pineda foi protagonista do filme 'Yo, También', de 2009
Pablo Pineda tornou-se uma
celebridade na Espanha. Não só por ser o primeiro portador de síndrome
de Down que obteve um diploma universitário na Europa, como também por
atuar como protagonista do filme "Yo, También", de 2009, que narra a história de um agente social com a síndrome que se apaixona por uma colega de trabalho. Aos 37 anos, ele tem licenciatura em Pedagogia e
falta pouco para conseguir o segundo diploma universitário, também em
um curso de magistério. Seu próximo projeto agora? Conseguir uma
carteira de motorista.
"Quero tirar o documento porque
nunca um portador de síndrome de Down foi visto dirigindo. Seria uma
conquista muito importante para nós, além de me dar independência",
disse Pineda à BBC Mundo, o serviço da BBC em espanhol. Ele é um dos rostos mais conhecidos de uma
geração de jovens com síndrome de Down que vem rompendo as limitações
pessoais, profissionais e acadêmicas. Outro exemplo famoso é o de Karen Gaffney,
também formada em pedagogia, que quer se transformar na primeira
portadora de Down a cruzar a nado os mais de 14 quilômetros do lago
Tahoe, nos Estados Unidos.
Além de Pineda e Gaffney, a japonesa Aya
Iwamoto, também com Down, ganhou fama ao conquistar um diploma inédito
em literatura inglesa.Segundo Pineda, não existe pessoas não-capacitadas, mas sim pessoas com "capacidades distintas". Para ele, a sociedade deve evoluir a um estágio
de maior pluralidade, em que as pessoas com síndrome de Down não sejam
tratadas como crianças e possam desenvolver suas capacidades e
independência desde cedo.
BBC Mundo: Como você se sente sendo o primeira portador da síndrome de Down que concluiu um curso universitário na Europa?
Pablo Pineda: Eu acho que estou
na linha de frente de uma guerra, o que é inconveniente. É preciso
lutar, se meter na sociedade quando o mundo do Down normalmente segue
outro caminho. Agora, fui inserido no grupo das pessoas consideradas
"normais", enquanto os Down têm suas próprias associações, seus pais,
seu pequeno micro mundo. Não é que eu me sinta ilhado, mas é muito
difícil lutar em uma sociedade normatizada – ter uma identidade Down
quando o mundo Down funciona de forma paralela.
BBC: Em que sentido essa divisão é percebida?
Pineda: Por exemplo, se for a um bar beber um drink.
Agora, a reação não é tão frequente, mas antes as pessoas me
perguntavam: "Você vai sozinho?". Ou algumas pessoas na rua me pegam
pelo braço e me ajudam a atravessar a rua. Ou quando é época de eleições
e vou votar, me perguntam "Mas você pode votar?". Acontece também de ir
a um restaurante com meus pais e me servirem água em vez de vinho. Em outra ocasião, fui à praia e um grupo de
guardas civis vieram me perguntar se eu estava bem. "Sim,
perfeitamente". São histórias curiosas, mas como você pode notar, são
nessas pequenas atitudes que as pessoas demonstram seus preconceitos.
"Eu
acho que estou na linha de frente de uma guerra. É preciso lutar, se
meter na sociedade quando o mundo do Down normalmente segue outro
caminho."
Pablo Pineda
BBC: Como você conseguiu se formar na universidade?
Pineda: Devo tudo aos meus
pais, que foram fundamentais para o meu sucesso, pois há anos eles
decidiram que eu seria como o resto dos meus irmãos. Foi assim que tudo
começou. Frequentei as mesmas escolas (que meus irmãos). Não esperavam
que eu chegasse à universidade, mas fizeram de tudo para que eu
estivesse sempre em contato com as pessoas. Eu não me dava conta no princípio. Quem lutou
por mim foi minha mãe, que foi ao colégio, falou com o diretor. Para eu
entrar no instituto, os professores tiveram de fazer uma votação, na
qual acabei vencendo. No começo foi difícil ir à aula dos professores
que votaram "não", mas acabei, pouco a pouco, conquistando todos eles.
BBC: Como era sua metodologia de estudo?
Pineda: Minha resposta vai
surpreendê-la. Eu sempre estudo em voz alta, pois aprendo com mais
facilidade. Eu leio, falo comigo mesmo e com as pessoas ao meu redor e
assim entendo. Dou ênfase, faço gráficos, resumos. Não é um sistema só
de memória, já que um assunto não é fácil de ser memorizado se não é
entendido. Eu o compreendia, o explicava e o "mastigava" bem.
BBC: Mas quando falei com a Associação
Britânica de Síndrome de Down, me disseram que seu caso é pouco comum e
ainda é a exceção...
Pineda: Fico bastante chateado
que eles tenham te dito isso, porque passam uma mensagem de acomodação,
como se não fosse possível avançar mais, como se não fosse possível
ajudar essas pessoas. Eu não acredito que isso seja verdade. Sempre digo
aos pais que não vejam apenas que obtive um diploma universitário ou
fiz um filme. Isso não é importante. O importante é dizer a seus filhos
que eles podem e que os pais precisam ensiná-los e estimulá-los. A
partir disso, qualquer um pode fazer o que quiser.
BBC: Que conselho você daria aos pais?
Pineda: Não sou eu quem pode
deveria dar conselhos, porque neste mundo, e no mundo da síndrome de
Down, cada caso é um caso. O que eu diria, em primeiro lugar, é para
cada um confiar em suas possibilidades. A partir daí, deve-se estimular
ao máximo que as crianças com Down tentem superar seus limites.
BBC: Na sua opinião, qual capacidades as pessoas com Down deveriam aproveitar melhor?
Pineda: Através da fundação
Adecco (que ajuda pessoas com deficiências a encontrar empregos),
tratamos de fazer com que os empresários mudem o seu "chip" e estas
ideias pré-concebidas. Queremos que as pessoas vejam a "deficiência"
como uma oportunidade. Eu sempre digo a empresários que pessoas com
"deficiência" podem fazer muitas coisas. Temos muito talento quando isso
é explorado. Podemos melhorar as empresas com nossa pontualidade, nosso
comprometimento. É preciso aproveitar este talento, não jogá-lo no
lixo.
BBC: E sobre o sistema de educação? O que é preciso mudar?
Pineda: Se fosse para falar
sobre isso, eu me estenderia de forma brutal. Esse sistema precisa ser
mudado completamente. É necessário que seja um sistema mais rico, mais
plural, diverso, uma sociedade com valores melhores, e não encarado como
um problema ou defeito. Há tantas coisas a serem mudadas. Mas, em vez
disso, preferem nos sustentar, nos mantendo em associações para não
haver mudança.
BBC: Você conseguiu se tornar independente? Quais são seus projetos?
Pineda: Vivo com minha mãe. Meu
pai morreu recentemente e estamos os dois sozinhos. A verdade é que
viver com os pais tem muitas vantagens. A comodidade de casa, a ausência
de responsabilidades, tudo isso te faz viver com mais conforto, apesar
de, às vezes, nós nos cobrarmos quando vamos a se tornar independentes. No entanto, o preço de uma moradia é uma
limitação. A crise econômica não ajuda e seus planos vão por água
abaixo. Sou o único que ficou em casa, pois todos meus irmãos se
casaram, têm filhos, e quando eu me tornar independente, minha mãe vai
ficar muito sozinha. Nós dois vivemos juntos e nos admiramos muito.
Reportagem retirada na íntegra:
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